José Ramos Tinhorão parte sem que tenha sido bem compreendido por seus leitores, sobretudo os inimigos. Estes, mais divergentes que inimigos, jamais o perdoaram pelo tom devastador de suas críticas à música popular brasileira que, em sua avaliação, não era nem brasileira nem popular. No entanto, esses que tinham razão em não gostar dele jamais entenderam que o melhor Tinhorão não era o crítico, mas o autor de livros que estudaram nossa música mais ampla e mais profundamente que qualquer outro que o tenha tentado. Com um detalhe fundamental: seu texto enxuto, bem fundamentado, jornalístico, era, numa palavra, exemplar.
Muitos começamos no jornalismo aprendendo a fazer o mais parecido com o Tinhorão. Alguns de nós ouvimos como primeiro elogio a fala do editor: “Se você continuar melhorando, ainda poderá ser um Tinhorão.” Seus textos, seus títulos, suas legendas corriam as redações do Rio como modelos. Depois, ele começou a escrever sobre música popular, na histórica página que dividia com Sérgio Cabral, pai, no Caderno B do Jornal do Brasil. Surgem ali as primeiras críticas, cada vez mais virulentas, à bossa nova e outras bossas que, segundo ele, não eram nossas.
Com o tempo, valeu-se da imagem de vilão para responder às perguntas que os jornais lhe faziam quando morria alguém. Por exemplo, quando perdemos Victor Assis Brasil: “Agora, só falta o Paulo Moura.” Ou quando lhe perguntaram o que tinha a dizer sobre a morte de Jobim: “Pêsames à família.” Sabendo que o provocavam, respondia como se a confirmar, irônico, a fama de mau.
A música popular, ou melhor, a cultura brasileira deve muito a José Ramos Tinhorão. Sei que é difícil entender como alguém podia não gostar de tanta gente talentosa que ele massacrou com suas críticas, nossos ídolos, criadores de nossas canções. Porém, ler pelo menos um das dezenas de livros que escreveu, se não vai nos ajudar a perdoá-lo, talvez nos ensine a compreendê-lo. E, talvez, a admirá-lo.